terça-feira, 6 de março de 2007

Escola de Artes e Ofícios: A saga



Descendo a Avenida Rio Branco, na esquina com a Rua dos Andradas, está a Escola Industrial Hugo Taylor. Ou melhor, o que resta dela antes de ser um hipermercado. O Carrefour, empresa francesa que vai alugar por 15 anos a edificação atualmente propriedade da família Saccol, se comprometeu em manter a fachada original com algumas alterações para melhor comportar o estabelecimento e compradores. A multinacional pretende gastar R$30 milhões na construção do mercado de 18 mil metros e pretende restaurar a fachada do prédio. Não é a primeira vez que isso acontece: em Porto Alegre, alguns mercados também estão alojados em prédios de valor histórico e cultural. Pode ser uma boa ação para a preservação de algumas partes da edificação, mas não se sabe até onde vão as modificações na estrutura e nos elementos característicos desta obra arquitetônica.

Construído em estilo neoclássico, art noveau e alguns traços do barroco (resumindo, em estilo eclético), o prédio tem colunas lisas com capitéis ornamentados lembrando o estilo grego clássico, porões habitáveis, traços e detalhes rebuscados nas janelas e portas que, por sinal, são muito imponentes. Por todas essas características e mais algumas, como o valor histórico e as pinturas do interior da edificação, os alunos do curso de arquitetura da UFSM pediram que o prédio fosse tombado, mas até hoje nada. “Faz um ano e meio que enviamos o processo para o tombamento e ele ainda está tramitando”, indigna-se o professor do curso Caryl Eduardo Lopes.

A antiga Escola de Artes e Ofícios da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea de Santa Maria (fundada em 1913) teve grande relevância para os filhos de trabalhadores da ferrovia, que tinham dificuldades para pagar escolas de ensino secundário (como era chamado na época o ensino médio) e conviviam com a escassez de escolas de ensino secundário e profissional na época. De acordo com textos da época, os ferroviários não achavam justo que apenas os filhos de pessoas ricas tivessem acesso à educação de qualidade. O prédio já sobreviveu a três incêndios, famílias de moradores, um shopping, farmácias e cursos pré-vestibulares, espera-se que sobreviva aos próximos 15 anos com todos os seus aspectos originais.

A edificação surgiu da força de vontade de homens como Manuel Ribas, que veio para Santa Maria como funcionário da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil – a concessionária das ferrovias gaúchas – para trabalhar no mercado Economat. Ribas percebeu que os filhos dos mais ou menos 200 trabalhadores da ferrovia não conseguiam escolas de preços acessíveis e de bom ensino. Além disso, os preços do comércio em geral eram muito altos. Então, ele começou a vender algumas outras mercadorias com desconto para os trabalhadores da via férrea e destinou o lucro líquido obtido para um fundo de beneficência. Em 1910, a Intendência Municipal era proprietária do terreno onde seria construída a escola, e tinha planos de que ali fosse mais um teatro da cidade. Porém, a cidade da já tinha dois teatros – o Teatro Treze de Maio e o Coliseu – e a prefeitura desistiu da idéia colocando à venda a pequena edificação.

Com o dinheiro do fundo de beneficência, Ribas comprou o terreno da prefeitura em 1917 e no mesmo ano iniciou as obras para a Escola de Artes e Ofícios. Em 1922, era inaugurada com toda a pompa e cerimônia – e com uma missa – a seção masculina da escola com 124 alunos. A administração ficou nas mãos dos Irmãos Maristas e o ensino profissional, a cargo da Escola de Engenharia Parobé de Porto Alegre. Lecionavam lá, além dos professores da escola de engenharia, mestres estrangeiros. No mesmo ano foi aberto o curso noturno, com aulas de português e francês, aritimética e geometria, totalizado 114 alunos. Um ano depois (1923), foi comprado o terreno da esquina da Rua dos Andradas para a ampliação da estrutura física do colégio que já havia ficado pequeno para tantos alunos. A seção feminina do colégio estava provisoriamente na Escola de Artes e Ofícios daquele ano e em 1924 foi adquirido o terreno e construída a Escola Santa Teresinha – hoje Manoel Ribas ou Maneco – com estrutura física para receber as alunas externas e internas.

A escola oferecia aos alunos alimentação, material escolar, assistência dentária e supervisão médica, além disso, tinha um dos laboratórios de química mais potentes da época vindo diretamente da Alemanha. Os primeiros colocados no total de alunos do colégio ganhavam viagens à Europa e outros prêmios. No seu auge, a Escola de Artes e Ofícios, que em 1943 mudou o nome para Escola Industrial Hugo Taylor, tinha 561 alunos externos, 100 internos, 128 em aulas noturnas, 15 professores e 12 mestres na seção masculina. Na seção feminina eram 517 alunas externas e 80 internas e 18 professoras. Possuía 4 cursos primários, 3 preparatórios e técnicos e um corpo de escoteiros.Entre um de seus ilustres alunos estava Iberê Camargo – um dos mais conceituados artistas plásticos do país.

Em 1970, com o endividamento da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea a Escola Santa Teresinha passou para as mãos do Estado e passou a ser chamada de Colégio Manoel Ribas. Hoje, apenas o Maneco continua de pé e funcionando com 135 professores e 259 alunos. Além do EJA, a escola mantém a mais tradicional Banda Marcial da cidade desde 1958 e já é patrimônio cultural de Santa Maria, sendo a única remanescente entre as bandas marciais que existiram aqui.
Agradecimentos ao Acervo Municipal e ao professor Caryl Eduardo Lopes da arquitetura da UFSM.

Tia Chica e o Teatro 13 de Maio


A história do Teatro Treze de Maio é, no mínimo, um pouco mística. Descobri, pesquisando no Arquivo Municipal, a interessante história do Teatro e decidi postar no aqui. Começa assim.

Os índios vindos das Missões trouxeram para cá um forte sentimento religioso advindo das instruções da Companhia de Jesus. Construíram a Capela dos Índios onde hoje é o Hospital de Caridade e veneravam Nosso Senhor dos Passos. Quando era Semana Santa, a cerimônia religiosa que realizavam atraía todos os habitantes do povoamento de Santa Maria. Em 1808, a capela foi levantada na Praça Saldanha Marinho (que ainda não tinha esse nome, era Praça da Igreja) onde hoje é o Teatro Treze de Maio e media apenas 50 palmos de frente por 130 de fundo. A capela tinha uma zeladora, a Tia Chica, descendente de missionária, neta de alemão nato que ficou lá entre 1860/1870. Ela era muito apegada a uma imagem da cabeça de Cristo sangrando sob os espinhos da coroa, que guardava com muito zelo enrolada em um pano estampado de seda. Esse artigo religioso só era exposto na Semana Santa e, por isso, os santa-marienses da época faziam romarias carregando velas até a Igrejinha dos Índios. Era uma tradição que durou até a guerra do Paraguai.

Em 1888, a Igrejinha com 80 anos de existência foi demolida. João Daudt Filho comprou os materiais restantes e usou na construção do Teatro, finalizada em 1889. Em 1911 funcionou no seu primeiro pavimento o Jornal do Interior e dois anos depois a edificação foi comprada pela prefeitura. O lugar onde hoje é o teatro já foi Biblioteca Pública e Centro Cultural. Em 1992, o prefeito Evandro Behr restaurou e adaptou o teatro à modernidade, criando um fosso para orquestra, um palco, espaço para 200 pessoas sentadas na platéia, um grande sistema de ar-condicionado e fez um subsolo onde funcionam oficinas de teatro.

Adivinhe que lugar é!


Adivinhou? Não? Essa era a Praça Saldanha Marinho em 1819. Diferente, não? E ela nem sempre teve este nome. Naquela época era chamada de Praça da Igreja e estendia-se até a Rua Dr. Bozano sem estar alinhada e nem aterrada. Um tempo depois passou a se chamar Praça da Conceição e em 1858 estava largada às traças, ou melhor, aos bois. Nesse ano, a praça estava cheia de barrancos de terra vermelha coberta de macega e capim onde o gado leiteiro da vizinhança ia pastar, de acordo com trechos do livro de Aristilda Rechia, Santa Maria Panorama Histórico-Cultural.

A Praça Saldanha Marinho, foi um marco do Acampamento da Comissão Mista Demarcatória das fronteiras entre Portugal e Espanha, por conta do Tratado de Santo Ildefonso (1777). Em 1883, após uma revitalização passou a se chamar Praça Saldanha Marinho, não se sabe se em homenagem ao Cearense político Joaquim Saldanha Marinho ou ao seu filho que foi engenheiro e mediu as terras do patrimônio de Santa Maria nela realizando várias obras. Em 1889, foram construídos dois sobrados: o da Caixa Econômica (que era propriedade da família de Annibal Di Primo) o da Panvel (da família de João Antônio de Moraes). Nessa época também foi prolongada até a Avenida Rio Branco. Onde é o Banrisul agora, antes era o Banco Pelotense e mais antes ainda era a casa da família Juca Pinto (que foi vendida a este banco por 90 contos de réis). E hoje, depois de sucessivas reformas que acompanhavam as inovações arquitetônicas de cada época e da sua apropriação pelo comércio informal, a praça é o que é. Bem diferente da antiga.

Vila Belga e a sua auto-conservação





Chegando quase no fim da Avenida Rio Branco encontra-se uma rua cheia de casinhas, 84 ao todo, com um mesmo estilo de arquitetura que fazem parte do conjunto denominado Mancha Ferroviária (juntamente com o Colégio Manoel Ribas e a Estação Ferroviária, tombada pelo Iphae como Patrimônio Histórico e Artístico do Estado). O ambiente onde estão as casas beira o bucólico apesar do asfalto e dos carros que esporadicamente passam no local. Esta é a vila Belga num domingo nublado a tarde, tombada como patrimônio histórico e recebe visitas de excursões de diferentes lugares. Porém quem conserva as casas tombadas são os próprios moradores, que se racham a compra de tintas para pintar a fachada das casas. Fora a fachada, vai de cada morador. O asfalto, por onde passam as excursões está triste, com vários buracos. Os moradores me disseram que não recém nenhum incentivo – nem o desconto do IPTU – para manter as casas e por isso alguns não cuidavam delas.

A vila Belga foi o primeiro núcleo residencial da cidade e tem uma arquitetura eclética simples trazendo elementos Art Nouveau da "Belle Époque" francesa nas fachadas. Eram nessas casas, compradas pela Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea, que moravam os trabalhadores da empresa belga que explorava a estrada de ferro. Santa Maria fica bem no centro do Estado e, portanto, é onde se encontram as linhas de trem vindas de vários lugares do estado. Assim a nossa cidade praticamente surgiu de lá. E hoje o descaso com o qual é tratada passa longe de lembrar o lugar que foi , por um certo tempo, o que impulsionou o crescimento da cidade. Não é assim que uma cidade que aspira ao título de Capital Brasileira da Cultura 2007 deveria se comportar frente aos seus bens histórico-culturais. Santa Maria tem potencial para ser uma boa cidade turística se destinar mais verbas para a conservação e preservação dos prédios históricos e paisagens naturais. Isso renderia dinheiro, “colocando-se um café nesses prédios, livrarias, museus, enfim um bom projeto turístico Santa Maria poderia trazer mais turistas do que já traz hoje” comenta o professor do curso de arquitetura da UFSM, Caryl Eduardo Lopes.


Um texto legal para quem quer saber mais sobre a vila belga é este (O Imaginário do espaço: a ferrovia em Santa Maria RS) do professor Luiz Fernando Melo do curso de arquitetura da UFSM.

O que é Patrimônio Histórico- Cultural?

Já que este blog se preocupa com os bens que formam a cultura e história de um povo, nada melhor do que sabermos o que é considerado patrimônio nas leis brasileiras.
O instituto encarregado desses assuntos é o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – que tem o objetivo preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo a destruição e/ou descaracterização de tais bens. Os tombamentos federais são da responsabilidade do Iphan, que tem um Arquivo Central, que é o setor responsável pela abertura, guarda e acesso aos processos de tombamento, de retorno e de saída de obras de artes do país. O Arquivo também emite certidões para efeito de prova e inscreve os bens nos Livros do Tombo. Qualquer cidadão ou instituição pública pode fazer um pedido de abertura do processo.

Os bens culturais são divididos em patrimônio imaterial e material. Este é um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Compreendem bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e móveis como coleções arqueológicas, acervos de museus, documentos, bibliografias, arquivos, vídeos, fotografias e cinema.
Já o Patrimônio Imaterial é definido pela Unesco como: as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, instrumentos, objetos e artefatos, assim como lugares e comunidades a eles associados. Ainda, o patrimônio imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade.

O patrimônio cultural não é restrito apenas a imóveis oficiais isolados, igrejas ou palácios, mas se estende a imóveis particulares, trechos urbanos e até ambientes naturais de importância paisagística, passando por imagens, mobiliário, utensílios e outros bens móveis. De acordo com o Decreto-lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, o patrimônio natural equipara-se ao patrimônio histórico e artístico nacional o que torna monumentos naturais como Jardins e Paisagens, e os bens criados pela indústria, como os parques, passíveis de tombamento, já que o objetivo seria conservar e proteger a sua estrutura. Por exemplo: um jardim histórico é uma composição arquitetônica e vegetal que, apresenta um interesse público do ponto de vista da história ou da arte.

O tombamento é um ato administrativo feito pelo Poder Público, nos níveis federal, estadual ou municipal (o Iphan faz os de nível federal e as prefeituras os de nível municipal). Podem ser tombados bens móveis e imóveis, de interesse cultural ou ambiental, como fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas etc. Somente é aplicado aos bens materiais de interesse para a preservação da memória coletiva. Para ser tombado o bem passa por uma avaliação técnica e é submetido à deliberação das unidades técnicas responsáveis pela proteção aos bens culturais brasileiros. Se aprovada a intenção de proteger um determinado bem, seja cultural ou natural, é expedida uma notificação ao seu proprietário, mas isso não retira dele a posse do bem, ela serve apenas mostra que este já está protegido legalmente. Quando for tomada a decisão final e tiver a aprovação do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, será publicada no Diário Oficial a homologação do ministério e o bem será inscrito no livro do Tombo.

Em Santa Maria abre-se um processo que deve ser enviado à prefeitura, encaminhando um ofício aos conselheiros do patrimônio que vão analisar o bem, visita-lo e tirar fotos para posterior aprovação ou não. Quando o bem é tombado, existem benefícios para o proprietário tais como a isenção de IPTU. “Em Santa Maria, existem poucos tombamentos porque o processo é demorado e a prefeitura realmente não incentiva a preservação das edificações – que é um processo caro para o proprietário. Então os donos preferem vender seus imóveis” explica o professor do curso de arquitetura da UFSM, Caryl Eduardo Lopes.